27 de jun. de 2016

Último ato

Tudo escuro, um único holofote amarelado, quase apagado  no centro do palco, mas quem se importa? Quem precisa dessa luz? 

Não tem platéia. Não tem ninguém. Não é um espetáculo. E se fosse, quem se arriscaria a entrar aqui, nesse vazio? 

Uma única personagem. Protagonista solitária desse drama. 

Ao redor o ermo de uma solidão infinda e o terror que  assola toda alma solitária. 

Consigo sentir tua presença aqui. Será uma ilusão? Será que por tanto medo desse vazio quero acreditar que há alguém aqui? Não pode ser ilusão, sinto tua presença tão real. Não te vejo, mas sei que estás aqui. Sim, estás aqui! Não sei como, mas estas aqui. E já que viestes, peço-te então que não me abandones enquanto falo. Tenho plena noção do quanto eu posso ser enfadonha, mas permanece comigo, preciso da tua presença para ter a certeza de que  não falo em vão. Preciso de alguém aqui para amenizar os espasmos que essa solidão me causa.



Começo com um adeus. À você, ao amor, à mim. 

Sim, um adeus à mim. 

A mim que por tanto tempo resisti as mudanças que a vida me impôs, que não consegui abrir mão do passado, que parei em um determinado local do tempo, por muito tempo. Preciso me despedir do meu eu, deste eu que me prende às lembranças suas. Deixarei  ele aqui. Darei permissão para que o meu eu fale, que deságue toda sua essência enquanto falo. Vou deixar que quem eu sou escorra através da voz, quem sabe até das lágrimas, e que ache um destino maior que eu, um propósito maior que apenas viver, que apenas amar. Me esvaziarei, para assim poder me encher de um novo eu, um novo ser. 

Te deixarei aqui também, com quem eu sou agora, até porque não imagino outro lugar para quem você foi pra mim, pois por um longo tempo você foi pra mim, esteve em mim, então não me obrigarei a deixar-te. Você foi meu melhor amor. E eu sempre considerei irracional te amar por tanto tempo, me perguntava porque eu não podia ser uma "pessoa normal", capaz de superar, esquecer e dar a volta por cima. Mas era tão lindo o que sentia, mesmo com toda tragédia aqui dentro, mesmo em meio aos cacos do meu coração, havia beleza naquele caos. Uma beleza que eu julguei loucura, mas que nunca foi, hoje que sei que não, na verdade era o estado mais lúcido da minha mente, eu era quem lutava para aboli-lo. Quando me dei conta de que o teu eu que existia em mim não poderia partir tão cedo eu escondi de mim, escondi e menti, disse que já não existia mais, já tinha se ido, e uma mentira bem contada repetida várias vezes acaba se tornando uma verdade. Quer dizer, não é bem uma verdade, é algo que você simplesmente decora, não importa ser real ou não, você prefere ter aquela "certeza" do que se dá ao benefício da dúvida e perceber que você é na realidade um grande mentiroso. A pior espécie de mentiroso, desses que mente para si mesmo. Mentir pra si mesmo é o pior estado que alguém pode chegar. 

Então, um adeus à você.

Por fim, um adeus também ao amor. 

Amor. Essa tragédia da alma humana. Não é à toa que rima tão perfeitamente com dor. Amor. Dor. Que rima  inglória! Dois sentimentos tão opostos. Dois significados tão diferentes. Mas que rimam tão bem, que cabem tão bem dentro do mesmo lugar, da mesma história, do mesmo ser. Mesmo que a gente não goste, mesmo que a gente não queira, mesmo que a gente se iluda e acredite que eles andam em caminhos distintos. Não. Amor é uma dor mascarada, uma dor adoçada, que faz com que entremos em um estado de êxtase de profundidade tal que nem nos damos conta da dor que o acompanha. E não venha me dizer que amor de verdade são só flores. Não é. Nunca foi. E nem será. Toda doçura do amor tem sua dose de veneno. É tipo aquelas promoções: "pague um, leve dois." É sempre assim. O que muda é a proporção. Quem recebe mais doçura nem se dá conta de que no fundo tem o amargo da dor. 

Mas não estou aqui pra desfazer do amor, para transformá-lo em algo ruim, nem para fazer ninguém desistir de amar. Há dores suportáveis e vai de cada um saber medir o quanto que tem de cada coisa e se vale ou não à pena. O que acho? Talvez valha a pena. Mas por hoje irei me despedir. Talvez não para sempre, mas por agora me despeço do amor-dor. 



Ouço sons. Coisas desmoronando. Será que são os escombros desse ermo? Ou são os meus cacos? Acho que aqui só havia espaço pra um, não deveria ter permitido, nem pedido que você permanecesse. 

Mas calma. Não te culpo pelo caos que provocou. Eu quem te autorizei a ficar. Mas também não sou culpada. 

De quem é então a culpa? Há alguma culpa? Se amor é dor, então existem culpados para os traumas causados? Ou são apenas consequências naturais? 
Não sei. Talvez não ninguém tenha essa resposta. Talvez essa resposta nem seja necessária. 

Por hoje chega! O cansaço já é chegado. E com ele o frio da solidão aumenta. 

Solidão? Achei que houvesse companhia no meu vazio. 

Não, não havia. Eram apenas ecos de mim. Sempre estive só. Como disse: quem ousaria adentrar nesse ermo? 

A luz já se finda. Tudo aqui cheira a cansaço. Como em um final de uma batalha sangrenta. 



Fecha- se a cortina. 

Fim do último ato.

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